Apesar do que vou escrever não há em mim intenção de espalhar pânico, pois sei que este não é um fenômeno isolado de minha cidade, nem tão pouco na história da humanidade. Escrevo simplesmente por encontrar-me, por assim dizer, surpresa desta sucessão de fatos ter acontecido em minha presença, em tão curto espaço de tempo, logo eu que nada sei, nada vejo acontecer, nada, nada, nada,...
1º Episódio: Ontem, ao voltar para casa no costumeiro ônibus, estou lendo meu habitual livro quando me chama a atenção um rapaz em pé à conversar com uma senhora conhecida minha. Volto a minha leitura quando, parados num engarrafamento, próximo ao Hiperbompreço do Iguatemi-Salvador, este rapaz começa a correr pelo ônibus gritando para o motorista abrir a porta traseira do veículo. Muitas senhoras começaram a gritar, a demonstrar espanto, medo e nestas horas percebemos as reações inconscientes de cada um...
Este rapaz pula a roleta e desce do ônibus, retira da cintura uma arma de fogo e sai correndo em direção a um carro parado.
Motivo: devido ao engarrafamento os carros estavam em ritmo lendo, um ladrão aproveitou a ocasião, jogou uma pedra no vidro do carro de uma senhora que encontrava-se paralelo a nosso ônibus e roubou sua bolsa que, em má hora encontrava-se no banco do passageiro. O rapaz, de dentro do ônibus, visualizou tudo e sendo policial achou por certo cumprir seu dever.
Talvez fatos como este aconteçam corriqueiramente com você ou alguém que conheça, mas a mim chamou muito atenção pelo momento de ação, o por assim dizer ato de heroísmo do indivíduo «que dizendo as boas linguas fofoqueiras conseguiu recuperar a bolsa da vítima». Foi realmente uma cena de novela, sem falar que reavivou a esperança de que o quadro policial da cidade de todo não esteja perdido...
2º Episódio: Hoje, estando no ponto a espera do ônibus da mesma linha do que peguei ontem para eu ir trabalhar derrepente sou sobressaltada por um veículo S10 branco, em alta velocidade, parar abruptamente a uns dois metros de mim. Neste veículo tinham quatro homens: um dirigindo, um no banco do carona e dois na parte traseira, a maioria sem camisa, um com um ripão de madeira na mão. O veículo parou fazendo subir uma nuvem de poeira e dois dos ocupantes falaram palavrões em alto e bom som para um outro rapaz a meu lado.
No mesmo instante, como que reconhecendo os "visitantes" o rapaz a meu lado começa a correr e todos descem do carro, fazendo o maior estardalhaço, assustando as pessoas a volta e dão a correr atrás do rapaz. Este, usufruindo de todo seu vigor físico consegue abrir distancia dos perseguidores que, inconformados com o péssimo resultado da perseguição, voltam pro carro e saem em disparada dizendo em voz alta ir à caça do outro. Antes de irem um deles revela aos transeutantes que aquele rapaz que estava a meu lado havia perturbado um deles num bar e o encontrariam para desforra.
Resultado disso tudo: Não sei se conseguiram enconttrá-lo ou não, mas que muitas pessoas no ponto ficaram alarmadas, passando mal e espalhando o pânico de boca em boca isto sim eu vi e ouvi...
3º Episódio: Agora a pouco, ao sair do trabalho e me dirigir para o ponto de ônibus, estou eu com meus passos curtos e rápidos, distraída a olhar para um lado e outro em busca do melhor momento para atravessar a rua quando ouço quatro disparos de arma de fogo, muito próximos e, como que instantaneamente as pessoas começaram a correr, seja fugindo ou indo ver o que era. Aperto o passo e alcanço um homem deitado ao chão, baleado, muitas pessoas ao redor, a polícia a encostar o carro «deviam estar passando por ali», e pessoas a discutir o fato. Como a ´suposta vítima estava sendo socorrida me dei ao luxo de ficar a observar, seja com os olhos ou ouvidos. Em poucos minutos o veredicto...
... o homem deitado ao chão era dono de uma das lojas do Shopping em frente, por assim dizer, do local do crime, tinha discutido com outro rapaz "que não consegui ouvir quem era" e saiu à rua para tomar "um ar". O outro entrou no shopping e quando saiu já saiu atirando, disparando quatro vezes e acertando um tiro. Neste caso talvez a vingança não tenha sido doce...
Bons tempos estes que vivemos, em que a violência se torna completamente banal, em que meus motivos individuais justificam meus atos de violência contra o outro e os que estão a seu redor, seja esta violência direta ou indireta, concreta ou simbólica.
Bons tempos estes que nos conformamos em sentar para almoçar e ter para assistir na TV nada mais do que um replay do que acabo de descrever ou ainda mais funesto: trazendo manchetes espalhafatosas, imagens degradantes, relatos vulgares e acima de tudo ainda crer que isto é normal.
Bons tempos estes que nada disso nos surpreende, nada disto é incomum, tudo é banal, a violência praticada e propagada se torna banal, nada mais é incomum... e assim vamos acreditando que está tudo em seu devido lugar, tudo passa a povoar o inconsciente coletivo como normal, nada mais que NORMAL...